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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Rubem Fonseca lança dois novos livros na Flip

Acomodado na primeira fila da plateia, um homem de meia-idade acompanha embasbacado a performance de uma jovem violinista. No palco, seguindo o ritmo marcado pela orquestra, a mulher de vestido de mangas cavadas move os braços de forma minuciosamente controlada. Busca com sofreguidão extrair do instrumento pregado em seu cangote notas cada vez mais límpidas, mais precisas. Seu espectador, no entanto, não se atém ao resultado de tamanho esforço. Dominado por um desejo quase incoercível, pensa única e exclusivamente em lamber-lhe as axilas. Sovaco, não. Palavra vulgar, de trivialidade reles, tosca. Axilas mesmo.

Aos 86 anos, o mineiro Rubem Fonseca continua sublime na arte de bolar, manter e encerrar com altas doses de suspense e perversão relatos de conteúdo noir. Prova disso são os 18 contos e o livro de memórias ficcionais, que serão lançados nesta noite, sem a presença do autor, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Material totalmente inédito.
"Apesar da idade, Rubem continua cheio de vitalidade, produzindo muito e muito bem", conta Juliana Senna, editora da Nova Fronteira, ainda a caminho da cidade histórica. "José, que parece uma autobiografia, mas, na verdade, não passa de uma brincadeira que Rubem fez com o gênero memoralista, estava esboçado desde 2007, mas todos os contos de Axilas e outras histórias indecorosas foram escritos no ano passado. Rubem está em ótima forma e ainda é surpreendentemente rápido nos ajustes finais."
Dono de diversos prêmios literários — entre eles, em 2003, um aclamado Camões (considerado o Nobel da língua portuguesa) — Fonseca não dá entrevistas. Não fala sobre nenhuma de suas 13 coletâneas de contos nem sobre nenhum dos 12 romances que acumula em sua biografia. Gosta de manter irreveladas informações relacionadas, por exemplo, a seu processo criativo.
"Meu pai despende menos tempo para escrever do que se imagina", conta Zeca Fonseca, jornalista, fotógrafo e filho do autor. "Ele geralmente escreve pela manhã. Depois encontra tempo para devorar ao menos um livro por dia, curtir os netos e assistir a um filme. Uma vida bem normal para quem é tão genial", elogia.
Segundo Zeca, a inspiração de Rubem, aquele ingrediente que lhe permite inserir em textos curtos e de vocabulário corriqueiro (às vezes chulo) uma gama de personagens mundanos, “vem do ser humano e da sociedade na qual ele está inserido”.
Dessa forma, Fonseca retorna sempre (e mais uma vez nos lançamentos desta noite) às mulheres de seios pequenos, ao detetive intrigado, ao amigo traidor, ao marido repetidamente chifrado, ao filho bastardo, ao médico que sabe tudo de veneno e aos assassinos totalmente desprovidos de culpa. Seu fãs deliram. "A escrita de meu pai funciona como um raio-x", afirma Zeca. "Desvenda o homem de seu tempo por trás das aparências que sempre enganam."
E as aparências, tanto em José quanto em Axilas e outras histórias indecorosas, sempre induzem ao erro. O primeiro livro fala sobre um homem que, assim como Rubem, nasceu em Juiz de Fora, mudou-se para o Rio de Janeiro do início do século 20 e estudou Direito. Não é, no entanto, uma autobiografia. Trata-se de uma verdadeira troça de Fonseca com todos aqueles que têm sede de saber mais sobre ele.
Já em Axilas, livro que o leitor tem dificuldades de abandonar em cima da mesa antes do fim, é inútil tentar descobrir o desfecho das histórias. Rubem Fonseca sempre dá a seus personagens um destino inesperado, surpreendente. Assim, é tolice arriscar, por exemplo, o destino do casal que se excita olhando as marcas de dente que o homem deixou no corpo da mulher durante uma relação sexual ou do misantropo que, enfezado, se incomoda com a burrice e com a inconveniência de absolutamente todos com que cruza na rua.
Não adianta. A imaginação do leitor, tenha ele a idade que tiver, nunca voará tão longe e tão alto quanto a de Rubem Fonseca, aos 86.
Por Cristina Tardáguila, da Agência O Globo

1 comentários:

Curioso é descobrir que o filho dele, Zeca Fonseca, antes mesmo da divulgação do novo livro de contos AXILAS, já tinha finalizado e divulgado o seu novo livro de contos - ARTéRIAS, com também 18 contos.
Coincidência genética??

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